Lá estavas tu, impávido e sereno, a olhar para o vazio como se nada mais existisse. Como se a chuva que te escorria pela face não passasse de escassas gotas que o céu chorava. Como se o vento cortante que te envolvia não passasse de um insignificante sopro meu. Como se o céu escuro que pairava sobre nós não passasse de um simples cenário. Como se tudo isto – tu sentado na borda do passeio a desvendar os segredos daqueles que passavam por ti escondiam e eu, de pé, do outro lado da estrada, a contemplar esse teu olhar perdido algures atrás de mim – não passasse de um mero teatro.
Lá estavas tu, sentado no chão salpicado pela chuva, de pernas cruzadas e de cabeça erguida. Parecias ter parado no tempo. Nem sequer te preocupavas em limpar a água que te inundava o rosto de tão envolto que estavas nos teus pensamentos. Olhavas para o desconhecido, parecias perdido numa realidade paralela. Dei um passo na tua direcção e só os teus olhos se moveram. Estavas agora a olhar fixamente para mim com um ar incrédulo. Assenti com a cabeça e isso serviu-te como resposta.
Ergueste-te e tentaste enxugar o rosto com a manga da tua camisola. Depressa percebeste que nada em ti estava seco. Aproximei-me e acolhi-te no meu guarda-chuva, junto a mim. Abracei-me a ti e tu retribuíste.
A chuva caía em cada canto daquela rua, mas naquele pequeno circulo formado pelo nosso guarda-chuva não. O vento soprava em cada espaço vazio daquela rua, mas nem tu, nem eu estávamos agora vazios. O céu negro pairava sobre todos os seres que caminhavam apressadamente naquela calçada, mas sobre nós não. Não tínhamos pressa de abandonar aquele momento mas sim vontade de o imortalizar.
- Demorou. - sussurrei eu ao teu ouvido.
Soltaste uma gargalhada e abraçaste-me ainda com mais força. Sabia que ali estava segura; segura de que a felicidade estava mesmo ao nosso lado, também ela escondida da chuva, do vento e do céu negro.